Hamdan Ballal
Manoela Becker Berto
3/31/20253 min ler


Quando Hamdan Ballal subiu ao palco do Oscar 2025 para receber a estatueta de Melhor Documentário de Curta-Metragem por No Other Land, ele não estava apenas celebrando uma conquista cinematográfica. Carregava consigo as vozes de um povo, os ecos das casas demolidas em Masafer Yatta, o choro dos deslocados e a dignidade de quem resiste, mesmo quando tudo à sua volta desaba. Mas dias depois, o mesmo mundo que aplaudiu seu filme assistiu, em silêncio, enquanto ele era brutalmente espancado por colonos israelenses e preso por soldados em sua própria terra.
Hamdan não estava fazendo mais do que já faz há anos: registrar, com sua câmera, a realidade da ocupação na Cisjordânia. Só que dessa vez, ele era um “vencedor do Oscar” e mesmo isso não foi suficiente para protegê-lo.
O ataque aconteceu em Susiya, sua vila natal, enquanto ele filmava mais uma operação israelense. Foi agredido, algemado, vendado, mantido preso sem justificativa. As imagens do cineasta ainda com hematomas, um dos olhos inchados, as mãos marcadas correram o mundo. Mas o que essas imagens também escancararam foi a impunidade da ocupação e a frieza com que ela opera: nem mesmo o prestígio internacional impede a violência quando ela é sistemática.
Nas palavras do próprio Ballal, em entrevista à CNN Brasil“se isso acontece comigo, que acabei de ganhar um Oscar, imagine o que acontece todos os dias com quem ninguém conhece”. É esse o ponto. Hamdan se tornou um símbolo de algo maior não só da arte como resistência, mas da dor cotidiana de um povo cuja existência é frequentemente tratada como invisível no cenário internacional.
A reação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas demorou a vir. E esse silêncio pesou. A comoção cresceu. Mais de 700 artistas assinaram uma carta aberta exigindo uma posição firme entre eles, nomes como Olivia Colman, Joaquin Phoenix e Mark Ruffalo. A Academia, então, pediu desculpas, reconhecendo que falhou ao não proteger um artista ameaçado por exercer sua liberdade criativa.
Mas, para muitos, a resposta tardia não foi apenas uma omissão. Foi o reflexo de um desconforto estrutural: a arte palestina é aceita até o ponto em que ela não desafia diretamente o poder. Quando atravessa esse limite quando se recusa a ser “neutra” diante da ocupação, ela incomoda, é criminalizada, e seus autores, perseguidos.
No Other Land não é apenas um documentário é um ato de memória. O filme mostra, com sensibilidade e coragem, como vilarejos palestinos são destruídos, como famílias são expulsas, como a vida cotidiana é violentamente interrompida. Não há discursos inflamados: há apenas imagens, depoimentos e a câmera como testemunha. E é justamente isso que torna o filme tão poderoso e tão ameaçador para quem prefere que essas histórias nunca sejam contadas.
Hamdan, junto com o codiretor israelense Yuval Abraham, construiu uma ponte rara entre narrativas que normalmente se opõem. Mas essa aliança, ao invés de protegê-los, os expôs ainda mais. Abraham, inclusive, denunciou o ataque publicamente e afirmou: “Esse é o preço de documentar a ocupação. Mas o mundo precisa saber”.
Segundo dados recentes da ONU e da organização israelense B’Tselem, a violência de colonos contra palestinos atingiu níveis alarmantes desde 2023. Mais de 1.200 palestinos morreram apenas na Cisjordânia em menos de dois anos. E mesmo em contextos não militares, como o da produção artística ou do jornalismo, as restrições e perseguições aumentaram. O caso de Hamdan Ballal não é exceção é o retrato do cotidiano palestino.
A jornalista Shireen Abu Akleh, morta em 2022 por um tiro na cabeça enquanto cobria uma operação militar, permanece como outro símbolo dessa repressão. Assim como Ballal, sua única “arma” era a câmera. E por isso, foi silenciada.
O caso de Hamdan Ballal levanta questões fundamentais. Qual o papel da arte na denúncia de injustiças? Até onde vai a solidariedade internacional e quando ela se torna conveniente ou seletiva? Que tipo de resistência pode surgir da imagem, da palavra, do som?
Hamdan respondeu com uma frase simples, mas que carrega toda a densidade de quem resiste não por escolha, mas por necessidade: “Não vou deixar minha casa”. E essa frase ecoa mais alto do que qualquer prêmio, mais alto que qualquer discurso político.
Fonte: Leo Correa/AP